quinta-feira, agosto 09, 2007

"Ninguém é Bom Juíz em Causa Própria"

[Publicado no Monde Diplomatique - edição portuguesa, Agosto]

Os Sistemas Eleitorais: o contexto faz a diferença

Dieter Nohlen

Livros Horizonte, Lisboa, 2007

Para todos aqueles que se interessam pelos fenómenos políticos mas procuram uma perspectiva científica mais sistematizada, a oferta traduzida para português revela-se extremamente escassa. Felizmente, a editora Livros Horizonte decidiu recentemente lançar uma nova colecção de Estudos Políticos, coordenada pelo Prof. Pedro Tavares de Almeida, que promete um valoroso esforço no sentido de colmatar esta lacuna. Este livro de Dieter Nohlen é, pois, um bom prenúncio para edições futuras.

Em “Os Sistemas Eleitorais: o contexto faz a diferença”, está presente uma profunda análise da relação entre os sistemas eleitorais e o contexto socio-político específico de cada país, procurando sempre conjugar as variáveis mais importantes com a dimensão empírica que lhe confere sentido. A vasta experiência do autor, um importante e influente estudioso dos sistemas eleitorais e com um enorme rol de publicações, permite-lhe afirmar com uma aparente simplicidade algo raramente admitido: “não há nenhum sistema eleitoral ideal ou teoricamente superior que possa passar sem o teste da comprovação histórico-empírica” (p.11). À luz desta observação, os dez capítulos do livro consistem numa selecção, feita pelo próprio autor, das suas contribuições mais importantes para a compreensão das tendências actuais. No entanto, não deixa de ser curioso que todo este percurso se iniciou com um estudo sobre Portugal e Espanha, no período em que os seus respectivos sistemas eleitorais não passavam de meras fachadas do regime autoritário.

Os primeiros capítulos estabelecem a base conceptual que fornece mesmo ao leitor “não iniciado” as ferramentas críticas para compreender os distintos procedimentos que fundamentam as reflexões mais recentes. No entanto, o autor não segue um trajecto pré-definido, apontando constantemente as falhas e os erros que contribuíram para uma apreciação mono-causal dos sistemas eleitorais. É deste modo que as principais conclusões das “leis sociológicas” são postas em causa ao não suportarem o choque das suas afirmações gerais com a realidade observável. O consenso deve, então, ser alcançado na definição de uma trilogia - sistema de governo, sistema eleitoral, sistema de partidos - que simetricamente considerada contextualiza o processo evolutivo que caracteriza os sistemas eleitorais e tem uma grande influência sobre os seus efeitos. Finalmente, os últimos capítulos apresentam uma análise comparativa de teor qualitativo em torno da avaliação teórica confrontada com a prática. Após a divisão do globo numa base continental, o autor reconhece uma certa preponderância dos sistemas combinados, isto é, não correspondentes com as definições clássicas. A explicação para este facto estará, segundo Dieter Nohlen, na vantagem que denotam ao possibilitar mais soluções de compromisso e consensos mais alargados entre as variáveis do contexto.

Na eminência da reforma do sistema eleitoral português, é de recomendar a leitura deste livro, para que seja cada um de nós a avaliar as suas potenciais consequências. Isto porque, em relação aos partidos políticos, a história já confirmou a sabedoria popular: “Ninguém é bom juíz em causa própria”...