sexta-feira, dezembro 07, 2007

[Publicado no Monde Diplomatique - edição portuguesa, Dezembro]




André Freire, A Esquerda e a Direita na Política Europeia: Portugal, Espanha e Grécia em Perspectiva Comparada, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2006

André Freire, Marina Costa Lobo, Pedro Magalhães (orgs.), Eleições e Cultura Política: Portugal no Contexto Europeu, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2007


Afinal, qual é a diferença entre a esquerda e a direita para os eleitores europeus? Foi esta é a pergunta geral que André Freire procurou responder na sua tese de doutoramento agora publicada em livro. Tomando como referência os países da chamada Europa do Sul (Portugal, Espanha e Grécia), que têm em comum o passado autoritário e o facto dos regimes democráticos serem relativamente recentes, este estudo compara as orientações destes eleitores com outras dez democracias europeias mais antigas. Estabelecendo um conjunto de correlações entre as orientações esquerda-direita, com base na avaliação de dados sociais, valores e afinidades partidárias, o autor pretende explicar até que ponto as identidades ideológicas são determinadas por estes três factores.

Este livro acrescenta muito à clássica e já longa discussão sobre o significado da esquerda e direita, sublinhando o equívoco das teorias sobre a morte anunciada da clivagem ideológica que foram passando desde o «fim das ideologias», ao «fim da história» e não esquecendo, claro, a mais recente «terceira via». Pelo contrário, se o comportamento de voto tem assistido a uma menor influência das clivagens sociais, as orientações ideológicas têm consolidado a sua importância enquanto determinantes da opção de voto, principalmente nas democracias da Europa do Sul. Nos seus quatro capítulos está também presente uma extensa análise da bateria de dados estatísticos que sustentam as suas conclusões. Entre muitas outras, de destacar uma interessante observação sobre o caso português, onde a baixa diferenciação ideológica sistémica, isto é, entre partidos - particularmente os maiores – explica a dificuldade no posicionamento individual esquerda-direita.

Talvez para um leitor não habituado a este tipo de análise, o livro seja de leitura algo difícil por lhe faltar uma aproximação mais instrumental ou normativa, se quisermos, do conteúdo normalmente atribuído ao conflito ideológico entre a esquerda e direita. Mas, na verdade, outra aproximação teria impedido um resultado final tão bem conseguido.

O segundo livro, Eleições e Cultura Política, consiste na análise dos resultados provenientes do projecto de investigação do ICS “Comportamento Eleitoral e Atitudes Políticas dos Portugueses em Perspectiva Comparada”, que teve início nas eleições legislativas de 2002, com o objectivo de recolher e disponibilizar um conjunto de dados precisamente relacionados com esses parâmetros. Foram já publicados dois estudos com base nos resultados produzidos (André Freire, Pedro Magalhães, A Abstenção Eleitoral em Portugal, Lisboa, ICS, 2002; André Freire, Marina C. Lobo, Pedro Magalhães (orgs.), Portugal a votos: as eleições legislativas de 2002, Lisboa, ICS, 2004) e este terceiro livro, agora publicado, acrescenta a análise das eleições legislativas de 2005. Contudo, este último volume conta com algumas novidades, nomeadamente, uma maior preocupação com a comparação do caso português com outras democracias europeias e o alargamento do período em análise, de modo a incluír, na sua quase totalidade, a vigência do regime democrático. O livro divide-se em duas partes, sendo a primeira vocacionada para as problemáticas da cultura política e a segunda dedicada à análise do comportamento eleitoral. Os seus nove capítulos analisam fenómenos tão diversos como a abstenção eleitoral, as relações de género na participação política, os impactos da religião e dos líderes partidários na mobilização para o voto ou o recurso ao voto estratégico. De destacar o artigo de Braulio Gómez Fortes (Cap. 2) que avança uma análise inédita sobre a relação do Partido Socialista, quando no Governo, com o eleitorado de esquerda. Ao contrário do que possa parecer, quando é altura de decidir o sentido de voto, os seus votantes colocam em primeiro lugar a eficácia da gestão governativa e só depois a ideologia, enquanto que o eleitorado de direita, afecto ao PSD, é mais brando na análise racional e privilegia a simpatia ideológica.

Em suma, estes dois livros são peças de grande utilidade para qualquer pessoa interessada nos domínios da política comparada ou simplesmente em compreender diferenças essenciais entre regimes democráticos na Europa dos nossos dias.