A campanha do referendo arranca mais depressa do que os movimentos pelo Sim desejariam. A procura da melhor estratégia para desmontar o discurso retirado dos manuais de Biologia do nono ano exigia mais algum tempo. É, de facto, difícil contra-argumentar frente aos factos da vida não fosse um ligeiro pormenor: nada têm a ver com o que vai ser votado. No entanto, não se deve perder a oportunidade de reflectir sobre o que está por trás desta peculiar concepção (ui, má escolha de palavra) do debate.
Basta navegar ao de leve pelos sítios do Não para se constatar as poucas vezes que utilizam a palavra mulher. A mulher, antes de o ser, é mãe. Mãe, porque é mulher, mas sobretudo mãe. É aqui que as verdadeiras intenções do Não se revelam. O grande problema está onde a liberdade de escolha afronta o profundo dogma que insiste em colocar a mulher enquanto progenitora. O seu desígnio de vida é a maternidade e pouco mais. As religiões, na sua maioria, sempre consideraram as mulheres perversas e corruptoras. Afinal, foi Eva que mordeu a maça. Foi Dalila que traiu Sansão e Nossa Senhora é Santa porque foi mãe.
É por isto que estou perfeitamente convencido que lá no fundo, no fundo, os apoiantes do Não perceberam que o aborto é, provavelmente, a última fronteira que separa as mulheres da sua emancipação total. No momento em que dominem por completo a escolha de ter ou não filhos deixa de haver a derradeira amarra de controlo social.
Só assim se explica a visão despessoalizada que têm sobre as mulheres. E assim levam-me a pensar que já nem aos filhos contam a história da cegonha de Paris. Os bébés vêm da fábrica...