domingo, março 25, 2007

Grandes Portugueses

Sempre tentei evitar todas as discussões que envolvessem o concurso dos grandes portugueses. Não por achar que toda aquela encenação fosse desprestigiante para a ciência histórica (como alguns fizeram questão em afirmar) ou por um desacordo de princípio pelo formato plebiscitário da coisa. Pelo contrário, estou plenamente convencido que o maior defeito da Academia é a sua natureza excludente, diria até discriminatória. Grande parte do trabalho científico em ciências sociais não passa de um conjunto de reflexões pertinentes apenas para quem trabalha 5 ou 10 anos no tema. Por isso, qualquer iniciativa que pretenda romper este sitiamento auto-infligido tem um grande potencial para ser positivo.

Nunca gostei do programa porque, confesso, não significa nada mais para mim do que, por exemplo, "A bela e o qualquer coisa" que passa agora na TVI. Ambos os programas são pensados para alcançar o entretenimento e gerar as chorudas receitas publicitárias do horário nobre. Mas agora que Salazar ganhou, decidi antecipar-me a toda a tempestade que, a partir de amanhã, vai abanar todo o opinion making, e em particular na blogoesfera.

Como é óbvio, relativizar será sempre o primeiro passo para a discussão do resultado do programa. Não se trata de uma sondagem, apenas de votação onde o contexto em si tem muito mais valor do que a análise concreta da personagem. Quando se vota em Afonso Henriques, ninguém pensa em retornar à batalha de campo de ourique. Também quando se vota em Aristides ninguém pensa: "pois, isto só lá vai com mais um holocausto". Muitas vezes, as pessoas são muito mais reactivas que pró-activas e todo o ambiente gerado em torno da personagem do Salazar jogou a seu favor na votação. Não foi, de certeza absoluta, aquela campanha de merda que o Nogueira Pinto fez para a construção do museu de salazar. No entanto, o seu documentário sofrível tocou num ponto muito sensível, especialmente no tempo em que atravessamos. Falo do mal menor, daquele típico : "esse ao menos era honesto" (já para não falar da sempre mal discutida questão das finanças salazarentas).

E é precisamente aqui que está a única importância deste concurso: demonstra, sem sombra de dúvida, o falhanço total na desconstrução da personagem de salazar que o próprio Estado Novo elaborou. Talvez agora, mais avisados da força subtil deste monstro, possamos começar a chamar as coisas pelos nomes e completar muitas análises que ficaram a meio porque tocavam em pessoas ainda no mundo dos vivos e convenientemente utilizadas para perpetuar outras pseudo-mitologias adjectivadas como democráticas. Salazar não merece ser admirado por ser honesto, por ser mestre em finanças ou por não ter retirado proveitos materiais da sua passagem pelo poder. Merece ser reconhecido por ter sido responsável por uma das ditaduras mais longas da história, cumprindo todos os seus requisitos: sanguinária, totalitária e desastrosa para a maioria da população. Se existirem pessoas que o admirem por isto, pois bem, assumam-no. Não tentem é esconder-se atrás de cortinas de fumo.

3 comentários:

Anónimo disse...

Sim sim, ao que percebo portugal está a entrar numa nova fase da sua relação com a memoria da ditadura. E é engraçado isto vir em simultâneo com a afirmação cada vez mais pública da extrema-direita.

As reacções das ~"autoridades" da universidade ao que se está a passar em letras são um bom exemplo de como as pessoas em portugal não estão preparadas para lidar com o reaparecimento da extrema-direita, por um lado. Mas vão ter que acordar para a vida porque eles não vão parar. E acho que também revela, como tu sugeres, que afinal o consenso democrático construído pelas elites de abril nunca foi tão sólido como se pensava. Estamos a assistir ao (re)aparecimento pela direita de uma frente social e política de contestação a esse consenso, sem dúvida potenciado pela crise económica. Vai começar a perceber-se que afinal somos todos muito mais "salazaristas" do que pensávamos. Mas percebermos isso também pode ser bom.

Anónimo disse...

alvaro

(mas mais alguém vê este blog?)

Anónimo disse...

Sim Senhor, que bela surpresa. Um blog todo remodelado, mais sério, na verdade também mais aborrecido graficamente, mas sem dúvida mais interessante. Prometo da próxima discutir o tema específico do post mas sinceramente esta coisa dos grandes portugueses irrita-me. Bem-vindo de volta!