quinta-feira, abril 26, 2007

Ontem como hoje

Este pedaço do livro de Diego Cerezales, O Poder Caiu na Rua, é dedicado aos acontecimentos de ontem, no Carmo, e ao amigo cujo nome do meio é Dangerous...

(...) actualmente, nas polícias de muitos países, em especial em corpos antidistúrbios, a psicologia de massas é a base da interpretação dos comportamentos colectivos. Em Portugal assim é, pelo menos, desde inícios da década de 1960 até aos dias de hoje, como se observa nos manuais dos cursos de formação de agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) (...)

As fichas didácticas para a formação de agentes da PSP mostram uma sofisticada antropologia destinada a guiar a atitude da polícia frente às massas, pois, segundo lhes é ensinado, «estão equivocados os que acreditam poder improvisar ou actuar de maneira convencional nestes casos».

(...) o indivíduo existe como ser moral quando se encontra inserido nas redes habituais de controlo social, mas, quando se forma uma «multidão psicológica [...] [perde o] sentido de responsabilidade individual» e com o «anonimato» regressa «aos próprios instintos». Assim, os agentes policiais confrontam-se com uma massa «imprevisível», «impulsiva», «volúvel», «irritável», «crédula» e com a qual não servem argumentações, porque é «incapaz de reflexão», «intolerante» e «autoritária». Este formidável adversário está dotado, além do mais, de um «sentimento de força» derivado da «sensação de massa» e do «contágio mental e sugestão» que «influenciam de tal forma o indivíduo que quase toca as raias do hipnotismo». Apesar disso, as forças da ordem não desanimam ante tamanho desafio, porque esse mesmo contágio e «sensação de massa» podem «aplicá-los» a si mesmas «em grau muito mais considerável» graças à sua disciplina e coesão. Face a isto, «enquanto um polícia contra dez manifestantes pode estar atemorizado, dez contra cem podem sentir-se com alguma possibilidade, cem contra mil podem estar bem confiantes e mil contra dez mil podiam sentir-se capazes de realizar qualquer coisa impossível». A racionalidade ou a legitimidade de cada participante são completamente postas de parte, porque «as multidões serão pacíficas ou violentas, nobres ou criminosas, segundo quem seja o condutor, que as controla e dirige, que é a sua "alma indiscutível" e tem o supremo dom de saber sugestionar os componentes, levando-os decididamente, imperiosamente, ao fim proposto»; por isso, na falta de uma solução carismática, de «uma personagem bastante forte para conservar a sua individualidade [e] desviar-lhe as intenções», o único recurso assenta no emprego proporcional da força, porque «[a multidão psicológica] respeita a força, mas não a bondade».
(p.27 e 28)




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