sexta-feira, janeiro 27, 2006

Melodia

À beira da corrente
Se vem sentar quem sente
Subir do coração a onda da amargura.
A lua, no céu claro,
Não faz nenhum reparo,
e a mágoa que nos dói não mancha a noite pura...


Como entre si falando,
As águas vão passando,
Cantando, se é cantar o seu chorar a rir;
E a plácida elegia,
Tão música e poesia,
Só diz o que quiser ouvir quem vem ouvir...


No fundo do passado,
Remonta o bando alado
De amados e gentis cadáveres da Ilusão...
E atrás do som das águas,
Acordam velhas mágoas,
Com seu perfume a flores no tampo dum caixão.


Se nada mais te resta
Que um ar de fim de festa,
Sabendo bem de mais que a festa não foi tua,
À beira da corrente,
Vem tu ouvir, ausente,
Seu canto que não fala e assim tudo insinua...

Ai, águas que ides indo,
Luar no rio abrindo
Titulações de luz num flutuante espelho,
Como vós, nada faço!
Flutuo, canto, passo...
E assim sou sempre infante e vou ficando velho


Nem eu mais quero! quero
Florir o desespero
De músicas, ficções, grinaldas, ilusão...
E sejam dessas flores
Orvalhos interiores
As lágrimas que choro, embora os olhos não.


À beira da corrente
Se vem sentar quem tente
Beber até ao fundo o cálix muito cheio.
Na noite clara e boa,
Nem o sofrer magoa,
Porque no fim é o Mais, - a dor só é no meio...


Se já não tens mais nada
Senão olhar, da estrada,
Aléns que julgarás que nunca atingirás,
Poeta ou desgraçado,
Vem! senta-te a meu lado:
Deixemo-nos ir ter ao fundo desta paz...


José Régio

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